Fevereiro fragmentário ou desire is a disease
fragmentos de fevereiro: tempo, sonho, corpo e morte
Sobre um mês impossível:
A construção da verdade dos fatos é a construção da verdade dos sujeitos.
A obsessão da morte é a obsessão do tempo.
Nossas ficções marcam o tempo. Nossas ficções forjam a verdade. Foucault fala sobre isso, a busca pela verdade que é a busca pelo conhecimento que é a busca de si.
Escrevo também nessa busca. Quero fuçar o perto. Não preciso de grandes ferramentas senão a imaginação, a observação e a memória.
Uma vida que é vida-sonho. Tento esquecer que existo nesse corpo, preciso esquecer. A ideia me assombra. Que haja um casulo, uma pele, a consciência e o fim da consciência; que haja você e eu no mundo; que você agora só apareça nos meus sonhos e seja coisa-una. Não sinto sua falta. Não sei nada, há anos, sobre você. Mas minha mente precisa de um protótipo para me lembrar de ter medo. Neste sonho, havia um grande teatro. Agora tomo remédio para estancar os pesadelos. Porque não sei – nunca soube – dormir e é preciso, dizem, que se durma, que as células descansem. Mas meu cérebro se recusa, tem horror à perda de consciência, então fica num estado de vigília que se transforma numa sucessão de alegorias pavorosas. Uma câmara de torturas feita especialmente para mim.
Dormir me lembra que a morte existe. E, ao mesmo tempo, gosto de dormir. Dormir me faz esquecer que a morte existe.
Queria um corpo menos turbulento. Queria dedicá-lo somente à arte. O trabalho com T maiúsculo não me interessa.
Ontem eu era uma menina de dezesseis anos. Ainda me vejo assim. Digo: daqui a vinte anos, quando for adulta. Porque talvez daqui a vinte anos me acostume com a ideia. Um dia acostuma-se? Em mim, sou eterna criança-artista. Estou ainda muito próxima da infância. Rompida. Talvez nós, artistas-desse-tipo, sejamos assim para sempre.
Talvez ser criança seja ter medo.
Até minha sexualidade é infantil, porque é desregrada, incontida, alegre e triste, inconsequente e culpada. Talvez crescer seja esquecer a espontaneidade, por isso me dizem – e sei – que não posso ser adulta. Tenho pânico de ser engolida pelo cotidiano. É uma constante consciência de mim. Olhar no espelho e estranhar a cada dia o reflexo. Tocar meu rosto e sentir o absurdo de ter um rosto como a Náusea de Sartre. Um desconforto de existir. A constante sensação de ser alguma coisa que nunca se conhece e não é conhecida por ninguém, de ser um indecifrável. A única coisa que sei é que escrevo. Há essa necessidade como dizer: existo. Há também, eu sei, os prazeres idílicos. A paixão, os sabores, a cor dos pensamentos. Algo que flui do peito ao punho, do peito aos ovários e que chamo êxtase.
L. disse que sou uma falsa devassa. Talvez esteja certo. Sou antes de tudo uma menina. Dá um alívio porque ele me ama, mas não lê nada do que escrevo.
tudo que sou é a escrita.
[Ansiolíticos]
Não me deixam gozar
não me deixam chorar
mas não impedem
o desejo do gozo
o desejo do choro
dia 11 de fevereiro de 2025
16:57
She is weeping. She says: desire is a disease.
Я любила тебя.
Os pensamentos incontidos, derrapantes, saem por boca, olhos, ouvidos. Inundam o rosto.
Dia 20 de fevereiro de 2025
Queria que a beleza estivesse em tudo.
Dia 21 de fevereiro de 2025
A beleza está em tudo.
Cansada. O cansaço é um peso nos ombros, na base das costas, em todas as articulações e atrás dos olhos.
Quando um escritor morre, ele vira só palavra.
Sonhei com árvores cobertas de lagartas, de todos os tipos e tamanhos, gordas felpuda, lindas. Árvores repletas. Mas só eu achava aquilo lindo. Diziam temos de acabar com isso, são pragas.
O tempo de sentar e escrever. Olhar e querer ver.
Sonho também com inundações. Cidades inteiras debaixo d’água. Nesses sonhos sou capaz de voar.
[Ficção]
Tento capturar o mundo com a palavra
Mas não é possível narrar e viver
O narrado nunca é o vivido
A palavra não é a vida.
o homem fuma
olhando o mar
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