#ÚnicaLinha 10: Sobre processos: escuta, tempo, tinta e silêncio

"Nada mais pode acontecer comigo além de existir".
M.D.
O processo de escrever um segundo livro tem sido muito diferente do Diálogo. Talvez todo projeto seja único, não sei. Mas viver esse processo de criação de um projeto longo novamente, de forma muito mais consciente, tem sido interessante. Criar é minha parte favorita. Criar envolve uma euforia, um êxtase da descoberta. De ser livre, de experimentar. A história, enquanto se constitui, faz parte de todos os poros. Escrevo muito, sobretudo quando não escrevo. É um mistério. Penso nas personagens, escuto suas vozes. Quando uma personagem começa a falar por si própria, a me interromper, sei que está viva.
Esse livro já está vivo faz bastante tempo. Ele veio rápido, no início. Já mudou muito. De um fio que foi se descosturando, que fui tateando, luminescente, sedenta por mais. É um prazer incontestável, o descobrimento. O processo começa assim, no dentro. A escrita vem primeiro no caderno, sobre o escrever. Vou me questionando sobre a história, sobre as personagens. Tudo é novo. Escrevo e escrevo, mas sobre o que ainda vai se tornar história. É assim. Existe um livro e o livro por trás do livro. No Diálogo foi assim, cadernos e cadernos que me diziam e questionavam, que me traziam incógnitas e respostas. Sim, fulano é desse jeito por isso e por isso e pensa isso e sente isso. Vou anotando aquilo que a história vai me contando e o que gostaria de fazer com ela. Para mim, o processo é informe. Não faço listas. Não preencho aqueles formulários. Vou escrevendo, livre. Não tenho todas as respostas sobre o que virá. Não preciso tê-las. Comigo é assim, e sei que funciona de maneira diferente para cada um.

Em outubro de 2021 escrevi:
Estou ansiosa para ter forças para viver e voltar a escrever. Há muitas coisas que quero mudar nessa história. Quero melhorá-la em muitos aspectos. Acho que vai dar certo. Esse processo é trabalhoso, mas muito gostoso também. É aquilo: escrever é feito pintar, é preciso paciência e prazer no processo. Se você não tem paciência para as etapas, para as camadas, para esperar a tinta secar, o quadro não se pinta, não fica pronto, não se completa. Escrever é a mesma coisa. No início, pode não ter muita forma. Vai precisar ser reescrito, lapidado, deixado para descansar, relido, reescrito, editado, preparado e mais uma vez relido, ajustado etc.
Demanda tempo, cansa, exige leituras e reescritas várias. Só funciona bem se você ama o durante, se tem paciência para ele, se ama mais escrever do que publicar.

A primeira versão desse livro, que já tem título, mas que ainda não revelo, veio bastante rápido, comparado com o Diálogo. Depois de ter o fio que me guiaria, essa série de escritas de descoberta, a história foi se desenrolando com certa facilidade. Escrevia todos os dias, religiosamente. Primeiro no meu caderno, só pensamentos, e depois no computador. Apenas escrevia cerca de duas, não mais de três páginas por dia. Uma página me leva no mínimo uma hora. Escrevo demorado, talvez, quando se trata de ficção. Meu processo de escrita ficcional é bastante diferente do não-ficcional. Mas isso é outra história.
A primeira versão ficou pronta. Mas eu sabia que muita coisa ainda precisava ser modificada. Meses se passaram, o livro quieto. Quieto só no papel. Esse tempo todo ele continuou a ser escrito aqui dentro. Preciso que qualquer coisa se faça aqui primeiro. Mas também envolveu outras questões, sobre a escrita. O livro não estava pronto, precisava de muito. Esses meses foram me dando o distanciamento e a reflexão que eu precisava para retornar. Uma vez Anita Deak falou sobre isso, sobre o tempo do livro não ser o nosso tempo. É preciso espera e é preciso escuta e muito silêncio. As respostas que eu precisava foram aparecendo, calmas. Não tenho pressa, e esse é um ponto, não tenho pressa para publicar. Foi uma certeza que foi se firmando em mim também. Mas essa história existe e quero aos poucos compartilhá-la. Aprendi que uma história não se faz sozinha. Que há muitas mãos e muita escuta e muito afeto. Estou aprendendo.
Esse domingo reli a parte final do livro. Fiz várias anotações de caneta vermelha na versão impressa. Agora é tempo de voltar para o computador, modificar, cortar, reescrever. E depois reescrever de novo. Lidar com as dúvidas. Por vezes, com o medo. E, nesse processo, outras pessoas vão surgindo, os leitores beta, as leituras críticas. Ainda não digo o nome do livro porque sou desses mistérios bobos. Porque esse livro está vivo, mas ainda é muito meu, muito prematuro, e não sei o que pode mudar. Outro dia escrevi no meu caderninho:
Penso muito na minha personagem. Não a principal, mas a outra, que me intriga, me instiga. Sabê-la é fundamental. Eles vivem aqui e por isso sei que existem, têm voz própria, me interrompem.

Não sei quanto tempo esse processo vai demorar. Mas começo a compartilhar com você.
Obrigada por esperar esse tempo de silêncio da Newsletter. A vida anda me deixando muito, muito cansada, e precisei deixar alguns projetos mais lentos. Tento respeitar minhas fomes, meus silêncios, meus desejos, minhas necessidades.
Espero que esteja tudo bem. Me manda um alô.
Um beijo, nos vemos por aí.
Com carinho,
Luizza
Por aí:
A poeta Milena Martins Moura escreveu uma não-resenha sobre o Diálogo, leia aqui.
Você pode ler pesadelo, prosa que publiquei na Revista Mormaço. Aliás, tem vários textos meus no Medium :)
Exposições e opções culturais para os cariocas:
Finalmente no Rio, Constelação Clarice, exposição sobre a escritora Clarice Lispector, acontece no IMS - Instituto Moreira Salles, até dia 09/10.
O Museu Nacional promove uma programação de aniversário na Quinta da Boa Vista, com atrações voltadas para as crianças. Acontece dia 05/06.
Nesse fim de semana, dia 04 e 05 de junho, tem Festa Junina no Museu da República.
Vamos conversar? Responde esse e-mail <3 Quer conhecer mais o meu trabalho? Acesse o site ou me encontre aqui. Me segue no Instagram :)
