#ÚnicaLinha12 O que é desaparecer? movimentos, retornos e descobertas
I watched the guys getting high as they fight
For the things that they hold dear
To forget the things they fear
This is how to disappear
(LDR)
A rotina de pesquisa, de trabalho e de estudo anda me cercando por todos os lados. Sei que é um processo difícil. Todo o tempo que tive entre 2019 e 2020 foram engolidos pela falta de tempo desse ano. Este semestre, no mestrado, estou muito ligada à minha área de pesquisa - a antropologia - graças ao estágio docência em Sociologia e à disciplina oferecida pelo meu orientador sobre antropologia, sociedade e estado.
Nesse processo, temos nos debruçado muito sobre narrativas, construção de biografias e de sujeitos. Não é difícil de perceber, como escritora, o meu interesse no tema. Na última semana, lemos o livro “uma trajetória em narrativas”, da antropóloga Suely Kofes, sobre o processo de esquecimento de um sujeito no tempo – mais especificamente, de uma mulher que foi figura pública na cidade de Goiás no século passado e que se tornou reclusa: por que essa mulher se tornou reclusa? Por que foi esquecida? É isso que Kofes tenta desvendar, a partir de narrativas que são (ou não) produzidas sobre um indivíduo.
Sempre interessada, no meu processo literário, na memória e no esquecimento do sujeito de si, me deparei com uma virada de perspectiva: a memória e o esquecimento de um sujeito a partir do social. O que fica e o que permanece de um indivíduo no mundo, e a partir de quem. Aqueles que escolhemos lembrar e aqueles que preferimos, como sociedade, esquecer, e os interesses e jogos políticos e de poder que existem por trás dessas escolhas.
Tenho pensado de fora para dentro o que muitas vezes me questionei de dentro para fora: como alguém escolhe desaparecer? Como é possível desaparecer? Ser corpo e deixar de sê-lo. Deixar de existir para o mundo. Em que medida um sujeito existe ou deixa de existir para além de si mesmo? Como se constitui o que um sujeito é nele mesmo e para os outros?
Eu poderia levar esses questionamentos para muitos lugares. Penso, sobretudo, nessa nossa existência online. Nos livros que escrevemos, nos arquivos que deixamos. O medo da morte. Minha cabeça cintila com as possibilidades. Mas, antes de tudo, talvez eu pudesse dizer:
Por que, afinal, a antropologia?
Eu poderia responder isso de diversas maneiras. Mas, em certo aspecto, é simples: vejo a antropologia muito próxima da literatura, e insisto nisso, em todos os espaços, porque ambas se voltam para o humano, para suas práticas, para aquilo que acontece em pequenas estruturas e que se entrelaça com muitas e muitas outras estruturas maiores, mas que precisamos colocar em um maior ou menor grau de aproximação para observar e pensar.
A diferença é que, enquanto a literatura se volta para a ficção, a antropologia se volta para a realidade, mas as duas lidam com ficção e realidade. A antropologia é um exercício de criatividade e de interpretação. A principal diferença está na intenção: a literatura e a arte não têm compromisso algum com a realidade ou com o método. A arte é, para trazer Sartre, completamente livre. Mas ambas, antropologia e literatura, me permitem olhar com atenção e surpresa para o mundo – para o meu mundo e para o mundo do outro. A alteridade marca esse tipo de exercício.
Neste último mês, tenho experimentado muitas mudanças. Uma delas está justamente relacionada à pesquisa no mestrado: uma mudança de objeto. Antes, minha ideia era continuar o trabalho relacionado à arte e à censura desenvolvido na graduação. Mas, o tema me parecia difícil como campo etnográfico (método próprio – mas não exclusivo - da antropologia). Então, sem que eu esperasse, a partir de uma curiosidade inicial, acabei encontrando ou sendo encontrada por outro tema de pesquisa. Não conseguia dormir pensando nesse tema! Senti que fosse enlouquecer. Disse para o meu orientador: estou animada como se tivesse tido a ideia para um livro novo. Eu não podia ignorar isso. Ele me perguntou por que então o medo de mudar. A partir dessa inquietação, decidi dar espaço, mais uma vez, ao desconhecido.
E nada me movimenta mais do que a descoberta.
Adendo: um amigo me perguntou ontem se eu tinha medo de ser esquecida. Respondi, simplesmente, que eu não ia saber. Ele riu, mas é verdade. O que acontece depois da morte me interessa pouco. Tenho interesse naquilo que ocorre na vida, nas ações dos sujeitos no mundo. E por isso fico tão triste com grandes escritores que morreram sem a possibilidade de saberem como são importantes.
Por aí:
Saíram os dez finalistas do Jabuti. Fiquei feliz em ver o número expressivo de mulheres como finalistas em romance literário, apesar de ainda sentir falta de pequenas editoras.
No final de novembro acontece a FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty. A programação principal você encontra aqui.
Para ver:
Recomendo o documentário À Margem do Corpo, da Débora Diniz, já que o assunto é antropologia. O documentário fala sobre aborto legal.