“Here's the person I want. Hullo, person! Doesn't hear me.” V.N. Minha amiga B. B. era minha melhor amiga. Eu não me lembro do seu rosto. Mas, eu me lembro de seu cabelo crespo trançado, da textura de suas mãos e de como ela parecia pequenina em sua cadeira de rodas. Ela me disse que era paraplégica, porque uma tartaruga tinha mordido seu pé na praia. Eu não sabia se acreditava, mas conseguia imaginá-la na praia sendo mordida por uma tartaruga enorme. Eu tinha sete anos. Ela me contava sobre a fisioterapia para voltar a andar, sobre sua mãe adotiva e sobre uma mesa de cirurgia repleta de sangue. Eu contava a ela minhas invenções. Todo dia ela queria ouvir uma história diferente sobre minha vida: eu era uma bruxa e estava na escola municipal para me disfarçar. Ela parecia acreditar e, mesmo quando duvidava um pouquinho, nunca deixava de me ouvir. Descobri que a palavra podia conectar e transformar a vida em qualquer outra coisa que fosse só nossa. Eu me lembro vagamente das suas muletas, da sua cadeira lá na frente da fila na hora do hino e da janela da sua casa repleta de plantas. Eu nunca entrei, mas olhava bem para o terceiro andar daquele prédio antigo, que um dia serviu de conjunto habitacional, e me perguntava como, no meio de tanto verde, era possível ver se estava sol ou não. Também não sei como sua mãe, uma mulher já idosa, fazia para descer e subir com B. em uma cadeira de rodas por três andares sem elevador. Mas, aos sete anos, isso não era algo que me afligisse. Depois, eu não sei. Fomos para turmas ou colégios diferentes.
ÚnicaLinha #06 - infância, memória e perda
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“Here's the person I want. Hullo, person! Doesn't hear me.” V.N. Minha amiga B. B. era minha melhor amiga. Eu não me lembro do seu rosto. Mas, eu me lembro de seu cabelo crespo trançado, da textura de suas mãos e de como ela parecia pequenina em sua cadeira de rodas. Ela me disse que era paraplégica, porque uma tartaruga tinha mordido seu pé na praia. Eu não sabia se acreditava, mas conseguia imaginá-la na praia sendo mordida por uma tartaruga enorme. Eu tinha sete anos. Ela me contava sobre a fisioterapia para voltar a andar, sobre sua mãe adotiva e sobre uma mesa de cirurgia repleta de sangue. Eu contava a ela minhas invenções. Todo dia ela queria ouvir uma história diferente sobre minha vida: eu era uma bruxa e estava na escola municipal para me disfarçar. Ela parecia acreditar e, mesmo quando duvidava um pouquinho, nunca deixava de me ouvir. Descobri que a palavra podia conectar e transformar a vida em qualquer outra coisa que fosse só nossa. Eu me lembro vagamente das suas muletas, da sua cadeira lá na frente da fila na hora do hino e da janela da sua casa repleta de plantas. Eu nunca entrei, mas olhava bem para o terceiro andar daquele prédio antigo, que um dia serviu de conjunto habitacional, e me perguntava como, no meio de tanto verde, era possível ver se estava sol ou não. Também não sei como sua mãe, uma mulher já idosa, fazia para descer e subir com B. em uma cadeira de rodas por três andares sem elevador. Mas, aos sete anos, isso não era algo que me afligisse. Depois, eu não sei. Fomos para turmas ou colégios diferentes.